sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Esse problema chamado dependência química

Em dias de arrastão da PM pelo centro da cidade, não há como não lembrar do depoimento de um colega do meu irmão.

Era sábado, véspera do (meu primeiro) Dia das Mães e meu irmão havia morrido.  Depois do corre-corre que precisei agilizar, fui ver minha mãe. Quando cheguei, estava lá este rapaz e sua esposa. Rapaz bonito, 30 anos, de fala coerente e português correto. Repito: o rapaz era desses meninos bem tratados e de situação familiar estável.

Iniciou sua fala contando as lembranças com meu irmão. Contou que estava triste com tudo que havia acontecido, das dificuldades que meu irmão possuía e das questões complicadas que ele próprio enfrentava. E desabafou: por conta do seu problema com o crack, todo dia era uma grande batalha, que não havia sequer um dia que ele não sentisse a fissura e a gana de largar tudo e queimar uma pedra. Que quando isso ocorria, eram os piores quinze minutos da sua vida. Que era desesperador porque ele sabia que se desse o primeiro passo, todo o inferno voltava. Que doía, que sabia das consequências, que tinha conhecimento de que causava tristeza nas pessoas que amava. Caiu e levantou algumas vezes, disse. Muitas vezes sua esposa o foi buscar na boca. E ele se arrependia.

Naquele sábado, fazia uns pares de meses que ele não usava nada. E sabia que não poderia usar. Os famosos 12 passos. Só por hoje ...

O rapaz desabafava frente à sua esposa e a nós. Chorava. Eu, minhas duas amigas que me acompanhavam na saga do funeral, minha mãe e a esposa dele também chorávamos. Era triste. Era deveras triste ouvir tudo aquilo. Talvez chorássemos por tudo que havia acontecido até ali, mas nos emocionava aquele relato. Havia um misto de compaixão e tristeza naquele choro. Porque não havia como não pensar que "como foi que esse rapaz foi parar nessa situação?". Ali, entendi como o problema do crack afeta as pessoas, independente de raça, cor, credo e situação econômica.

Passados alguns bons anos daquele episódio e da data fatídica da morte de meu irmão, soube de um evento promovido na USP com o sugestivo nome "I Encontro Ayahuasca e Tratamento da Dependência". Foi em setembro de 2011. Eu fui. Queria saber como é que isso funcionava e se funcionava.

Depois de três dias de colóquio, era claro para mim que algumas nuvens haviam se dissipado e que o evento trazia novas perspectivas. Trazia também novos nomes e olhares para esta questão moderna da humanidade. Traçava paralelos e apresentava experiências de sucesso, além de indicar a necessidade de mais pesquisas nos âmbitos sociais e biomédicos da questão.

Deu-me vontade de entender melhor tudo aquilo. Até porque muitos dos meus alunos de yoga na Fundação CASA tinham o vício em crack e cocaína. 

Infelizmente, SP tem tido grandes retrocessos. Na saúde pública são visíveis, pois não acredito nessas ações higienistas do governo municipal e estadual postas em prática na Cracolândia para elevar o preço do m2 da região.

Também não creio em super homens, super médicos e super psicólogos. Penso que as pessoas se salvam. Ninguém salva ninguém. Você pode ajudar e até mesmo dar os instrumentos, medicamentos, estrutura física, trabalho ou o que for, contudo, quem tem que fazer o serviço pesado é o dependente. Tem que ter fé, coragem e determinação. O apoio, é claro, é fundamental. Os amigos, familiares e o entorno precisam fazer a parte do "ambiente suficientemente bom", para não esquecermos de Winnicott. Porém, o grosso mesmo quem faz é quem tem o problema. Não é fácil. Nem para quem tem o problema, nem para quem é afetado pelo problema, sejam amigos, esposa ou familiares.

E, por fim, diante de toda essa mazela, fico a pensar que a política antidrogas feita neste país, não facilita em nada na educação de crianças e adolescentes a respeito dos riscos das drogas. Ao contrário, os índices de violência ligados à questão só aumentam. Agora, em São Paulo, as questões só mudam de lugar: saem da Luz e vão para o Paraíso, Liberdade, Barra Funda, Brás... E, na base da porrada, o desespero só aumenta.

Para os familiares que sabem que seus parentes estão/ estiveram por lá, desejo força e coragem. Todos irão precisar!